O Vergílio Ferreira era um escritor que era amigo do meu pai e de quem a minha mãe dizia que era o Mestre (...).
O Mário era o Márocas, tinha sido eleito Presidente da República no ano anterior, a minha mãe é que gostava muito dele, o meu pai nem por isso, punha um ar um pouco aborrecido sempre que havia eleições, e dizia «lá tenho eu que votar no Márocas», como quem faz um grande sacrifício, e eu um dia até lhe perguntei se as pessoas eram obrigadas a votar no Márocas, ele riu-se, fez-me uma festa na cabeça, e disse-me, felizmente, hoje em dia, ninguém é obrigado a votar em ninguém.
O Fernão de Magalhães fora outra curiosidade para mim. Era advogado, como o meu pai, mas também era um navegador antigo (...).
Foi então que resolvi ir perguntar ao grilo que estava na cozinha o que queria dizer a minha primeira palavra difícil.
(...) O grilo reflectiu durante alguns momentos, e disse-me:
«É uma palavra estranha, difícil, sem dúvida. É como circunspecção, paradoxo, controvérsia. São palavras que os adultos usam com desenvoltura, que é outra palavra que é preciso sopesar, e este verbo também tem que se lhe diga. Quero eu dizer que são palavras que não podem ser utilizadas sem uma cuidadosa ponderação, e ponderação também não é nada fácil, principalmente quando se trata de a contextualizar, e este sim, é um autêntico palavrão» (...)”
MEGA FERREIRA, António - As Palavras Difíceis, Publ. D. Quixote
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