sexta-feira, dezembro 08, 2006

Os privilégios dos jornalistas

O jornalista Pedro Coelho vem dar voz à indignação que atravessa o meio jornalístico por causa das recentes medidas que atingem a classe.
Para tanto, num artigo de opinião, relata um conjunto de casos concretos para demonstrar que o desempenho desta actividade acarreta determinadas adversidades que fazem com que a profissão não possa ser comparada com os restantes e normais ofícios dos portugueses.
Devo dizer que, na globalidade, concordo com os argumentos e, portanto, com o artigo.
Não posso, no entanto, deixar de acentuar uma certa ironia que está implícita a tudo isto. Vejamos:
Nestes últimos dois anos os nossos governantes tem sido pródigos a anunciar medidas que, dizem, visam acabar com os privilégios de determinadas profissões: médicos, juízes, advogados, professores...
Para que obtenham o estratégico apoio popular tratam de comparar os ditos privilégios com outras profissões visando, assim, o nivelamento, por baixo, das condições de vida dos portugueses.
Obviamente que para isso – e porque muitos dos fundamentos apresentados não são mais do que um conjunto de argumentos demagógicos e medíocres – contam com uma Comunicação Social colaborante. É, por um lado, a chuva de elogios imediatamente derramados pelo exército de Fazedores de Opinião. Mas é, também, a actuação de muitos jornalistas que preferem deixar-se convencer comodamente pelas explicações oficiais, não demonstrando grande interesse nem motivação para apresentar uma informação objectiva, abrangente e bem fundamentada.

Ora, à semelhança dos jornalistas, também outras profissões têm determinadas especificidades que devem ser compensadas com algumas regalias concretas. Por exemplo, as elevadas responsabilidades inerentes ao desempenho de médicos, juízes, etc são, em regra, compensadas com um certo conforto remuneratório e um conjunto de regalias específicas.
O desgaste físico e psicológico, as situações de agressividade física e verbal, as ofensas de alunos e (muitas vezes) pais com que os professores são confrontados sistematicamente são contrabalançados com uma relativa flexibilidade de horário e condições de reforma particulares (eram!).

Por isso, também, às condições de stress, perigo físico, etc. a que alguns jornalistas são expostos na sua actividade, deve corresponder um estatuto próprio com condições específicas e adequadas.

Em suma, tal como os jornalistas, há sectores que comportam determinadas especificidades e contrariedades as quais devem, ou deveriam, justificar um tratamento específico.
Ora bem, até agora a imprensa tem correspondido à vontade governativa de "iluminar" os privilégios dessas profissões deixando no escuro as suas adversidades. Pedro Coelho optou por "iluminar" as adversidades, deixando no escuro as suas vantagens.
Compreende-se!

No entanto, apetece citar a frase-feita utilizada por muitos comentadores: "todos concordam com as medidas de contenção desde que estas não os atinjam a si".

Não sou eu que digo – repito – é a comunicação social.

Posso?

Hoje é feriado.
Por isso, apetece-me passear com a família na baixa da cidade.
Porém, também eu estou descontent com o rumo político que o país está a levar.
Por isso pergunto: a quem devo eu pedir autorização para efectuar o dito passeio?
Ao Governador Civil?
Ao Presidente da Câmara?
À Ministra da Educação?
Ao Chefe do Estado maior das Forças Armadas?

sábado, dezembro 02, 2006

E que penas

Também eu, por volta dos meus dez anos, tive um animal de estimação.
Não era cão nem gato como a generalidade dos miúdos. Muito menos um peixe que é coisa de rico.

Nessa altura vivia numa verdadeira quinta rural no meio de uma aldeia rural. Por isso, o meu animal só podia ser, também ele, rural!
Um pato!
Nem mais nem menos, um pato.
Branco.
Nem tinha nome. Era só Pato, como o Octávio.
(às vezes marreco, de alcunha!)
Era uma animal generoso, para Pato!
Fazia de cada dia uma festa. Sempre bem disposto. Brindava-me todas as manhãs com um leve mordiscar de pernas numa brincadeira de morde-e-foge. Só não se deixava agarrar como que querendo manter sempre a sua liberdade.
Ia-me esperar todas as tardes mais ou menos a meio do caminho quando eu chegava da escola. A carreira (nome que se dava ao autocarro escolar, também conhecido por camioneta tal era o desconforto) deixava-nos, a mim e à restante canalhada da minha idade, junto à loja da Sr.ª Berta. O resto do caminho até casa era a pé. Pois bem, antes de fazermos a última subida da calçada, lá vinha o animal muito maluco de asas abertas e uma nuvem de pó atrás como os cowboys do filmes americanos.
Depois dos cumprimentos iniciais, através das tais mordiscadelas, acompanhava-nos ao nosso lado procurando integrar os seus quá-quás no contexto da nossa conversa... como se fizesse questão de participar e dar a sua opinião.
Era um bicho versátil. Fazia um pouco de tudo... embora mal feito. Explico melhor: sabia caminhar nadar e voar, proeza que não é para todos. No entanto, qualquer uma destas três dimensões eram praticadas sem grande eficiência nem elegância. Às vezes parecia um daqueles brinquedos made in China, um bocado desarticulados mal construídos. Mas era o meu Pato!
Uma dia – sei que era Sábado, como hoje – acordei e lá estava o Pato, junto ao tanque da quinta. Parecia que me estava a sorrir como que a dar os bons dias... mas, reparei que lhe faltava qualquer coisa. Para ser mais exacto, faltava-lhe o corpo. Só ali estava a cabeça.
Demorei um pouco até que percebi que nesse dia havia arroz de pato para o almoço.

Isto passou-se tinha eu os meus dez anitos!
Ainda hoje não como arroz de pato.
Ainda hoje não me consigo afeiçoar a animais.
Ainda hoje não percebo porque é que me mataram o Pato!

FDS

Bom fim-de-semana!